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Autor: Adestradora Camila Vasconcellos

Sobre o uso das coleiras enforcadoras em cães

Infelizmente ainda é muito comum vermos profissionais ensinando a utilizar este tipo de equipamento para os cães a não puxarem a guia. Eles utilizam uma metodologia ultrapassada que tem como base punir os comportamentos indesejados para eliminá-los, o objetivo das coleiras enforcadoras é o cão associar o puxar a guia aos trancos. Esses trancos além de incômodos e doloridos podem causar problemas de saúde ao cão, como o aumento da pressão intraocular, colapso de traqueia e até mesmo lesões neurológicas.

Treinamentos baseados em reforço positivo não utilizam qualquer forma de intimidação física ou psicológica, são mais eficazes e não causam danos à saúde do cão. Conheça o adestramento positivo e eduque seu cão com carinho e respeito!

 

cachorro ou lobo

Convite a uma reflexão: Você é o líder ou pai/mãe do seu cão?

Temos dois principais tipos de tutores de cães, aqueles que tratam o cão como um lobo doméstico e assumem o papel de “líder da matilha”, e os que tratam seus cães como filhos peludos e com quatro patas. Mas afinal quem está certo? Para responder esta questão o convido para uma reflexão em cima desta leitura onde abordarei a teoria da dominância e as bases do relacionamento do cão com o ser humano.

Sobre a teoria da dominância:

“Os lobos formam grupos baseados em uma hierarquia estruturada e competem para se tornar o ‘alfa’. Afirmam sua dominância sobre outros lobos de forma agressiva sempre visando garantir o melhor para o bando. Os cães por descenderem dos lobos, portanto, irão fazer o mesmo. Mesmo que o cachorro viva com humanos, ele deverá sempre ser um membro de uma matilha, por isso o tutor e sua família têm que ter a “posição” mais elevada do que a do cachorro para ter o respeito dele”.  Tais afirmações são amplamente difundidas em diversos livros de adestramento e até programas de televisão! O que há de errado nestas afirmações? Tudo!

20150421_182632 (2)Primeiramente gostaria de esclarecer que é comum dentro da etologia o estudo por comparação entre espécies semelhantes, mas isto não quer dizer que seja a única nem a mais eficaz. Somos geneticamente muito semelhantes aos gorilas, chipanzés e bonobos, o que não faz automaticamente nos comportarmos igual a eles! Muito do material disponível sobre o comportamento lupino é baseado em estudos feitos com lobos em cativeiro. Diversos exemplares capturados da natureza ou cedidos por zoológicos foram mantidos em um determinado espaço obrigando-os a competir pelos recursos, algo que costumo comparar ao reality show Big Brother, onde diversas pessoas são confinadas em uma casa para competir pelo prêmio.

Limitados dentro deste espaço manipulado e organizado pelos pesquisadores os lobos não expressaram seus comportamentos naturais. Diante daquele ambiente artificial e muito estressante os animais passaram a apresentar diversas anomalias de comportamento, como por exemplo, a promiscuidade. Estudos recentes, com tecnologias como o rastreamento por GPS, permitiram estudar o lobo em seu habitat natural e descobrirmos que a matilha nada mais é do que uma família onde os filhotes mais velhos ajudam os pais na criação dos irmãos mais novos. Os lobos são fiéis, formam casais para toda a vida e os filhotes os acompanham e auxiliam até atingirem a maturidade, por volta dos dois anos, quando se afastam do grupo para procurar um parceiro e constituir sua própria família.

Essa estrutura é muito parecida com as famílias humanas e não são firmadas pela força física como se concluiu equivocadamente nos estudos anteriores. Para resumir a confusão feita, além de no ambiente artificial terem criado uma situação onde não foi possível compreender o comportamento dos próprios lobos, ainda o projetaram nos cães apenas por serem geneticamente muito próximos.

A domesticação separou cães e lobos de seu ancestral comum há pelo menos 15 mil anos, o que alterou muito o comportamento deles em razão da adaptação ao convívio com a nossa espécie. O processo de domesticação alterou tanto os cães que eles não são capazes de formar grupos estáveis nem sobreviverem sem o auxílio do ser humano. Atualmente temos muitos cães que não sabem nem ao menos se comunicar com outros cães, grande maioria porque são separados precocemente da mãe e dos irmãos justamente na fase de seu desenvolvimento assimilaria a identificação com a sua espécie.Tente imaginar os efeitos de milênios de domesticação somados a demais fatores como este! Nunca ouviu ninguém dizer que o seu cão parece pensar que é gente?

Pois é, talvez em meio a toda essa confusão ele possa achar mesmo! Mas a comunicação dos cães e socialização interespecífica são um tema que necessitaria de outro texto para poder deixar o assunto bem claro (inclusive anotei como sugestão de tema para uma próxima oportunidade). Enfim, lobos e cães são espécies diferentes e apresentarem comportamentos diferentes, portanto não devemos tratar nossos cães como lobos domesticados, ainda mais se baseados em uma teoria que já é equivocada sobre o comportamento dos próprios lobos!

Sobre tratar os cães como crianças:

Se você leu o texto até aqui já deve ter entendido que cães não são lobos e não existe este conceito de líder de matilha, mas assim como os cães não são lobos domésticos eles também não são crianças peludas e com quatro patas. A lupinização e humanização são dois dos principais fatores que resultam nos problemas comportamentais que sou chamada para ajudar os tutores a solucionar.  Precisamos a partir de aqui deixar bem claro que lobos são lobos, crianças são humanos e cães são cães.

Estudos científicos recentes apontam através de testes utilizando ressonância magnética que os cães possuem emoções e ativam durante o contato com seus tutores a mesma parte do cérebro que ativam com a mãe quando filhotes. Estudos realizados em humanos chegaram a mesma conclusão, ainda amparados por exames de sangue indicando a produção de oxitocina (conhecido como o hormônio do amor, o mesmo produzido durante pela mãe durante a gestação e responsável por gerar o vínculo com o bebê). Quem convive com cães percebe que há muito amor envolvido e a ciência apenas comprovou o que todo “cachorreiro” já sabia, mas isso não faz com que os cães deixem de ser cães e se tornem pessoas peludas e de quatro patas!

Os cães apesar de todo o processo de domesticação ainda têm necessidades diferentes dos seres humanos e estas são diretamente relacionadas a sua saúde e bem-estar. Cães humanizados sofrem por não poderem expressar seus comportamentos naturais e são frequentemente cobrados de seus tutores como se fossem capazes de um entendimento pertencente exclusivamente aos seres humanos. Quem nunca ouviu algum tutor afirmar que seu cão sabe que fez coisa errada porque percebe que ele se sente culpado depois de aprontar? Quem nunca ouviu alguém reclamar que seu cão é ingrato porque lhe mordeu quando foi tirar-lhe um alimento inadequado da boca? Quem nunca ouviu a afirmativa de que seu cão é muito feliz porque dorme o dia todo as únicas preocupações são comer e dar uma voltinha na quadra para fazer o xixi? Projetamos expectativas demais em nossos cães quando os humanizamos e acabamos por julgá-los equivocadamente. A maioria dos cães domésticos vive em um limbo entre as espécies canina e humana, de forma que não conseguem se comunicar bem com nenhuma das duas. Ter projetado em cima de si expectativas muito maiores do que a sua capacidade te parece algo agradável? Os cães não entendem o porquê estamos frustrados com eles, mas sofrem com nossas reações em relação a eles devido a estas frustrações. Não te parece uma carga muito pesada?

Já vi casos de cães que não saem para passear sem ser no colo ou em carrinhos e bolsas, não podem pisar na grama porque usam sapatinhos e até que passaram muito mal após comerem o delicioso ovo de chocolate que ganharam de presente na Páscoa (chocolate é extremanete tóxico para cães!). Precisamos refletir sobre esse amor, pois se amamos nossos cães devemos aceitá-los como realmente são e não tentar fazer deles caricaturas humanas. Que “graça” tem tirar do cão justamente o que ele tem de mais maravilhoso? O que cativa nos cães é serem tão diferente das pessoas, não julgarem pelas aparências, viverem no presente, demonstrarem seus sentimentos sem medo e sua espontaneidade, dentre tantas outras qualidades!

Os cães urbanos além de passarem muitas horas sozinhos são mantidos em algum nível de privação física e sensorial, o que causa depressão e problemas de comportamento e de saúde. Um cão feliz é aquele que consegue ter satisfeitas as necessidades naturais de sua espécie e raça. Além dos cuidados básicos como alimentação adequada e higiene (vacinas, vermífugos, pulgicida, banhos e etc), cães precisam de atividades físicas, mentais e sociais. Cães precisam correr na grama, rolar em coisas fedorentas (vale deixar apenas antes de entrar direto para o banho, ok!), perseguir passarinhos, latir, brincar com outros cães, cheiras as “partes” desses outros cães, experimentar sabores diferentes da ração que é servida todo dia ( consulte um veterinário para saber quais alimentos podem ser oferecidos e quais as quantidades ideais), enfim viverem de modo que possam expressar seus comportamentos naturais. Claro que temos limitações impostas pelos centros urbanos e pela rotina corrida, mas nossos cães merecem que lhes proporcionemos o mais próximo que consigamos chegar disto. Pesquise sobre comportamento e psicologia caninos, enriquecimento ambiental, se necessário, busque o auxílio de um comportamentalista, contrate um dog walker de confiança, para tudo tem um jeito quando se tem vontade! Ser pai ou mãe de cachorro é enfrentar o desafio de compreender uma outra espécie e respeitar sua natureza, se tornar um pouco cão e, consequentemente, uma pessoa melhor!

PS: também pretendo escrever sobre os temas “ a culpa que o cão demonstra quando descobrem suas artes” e enriquecimento ambiental, temas que abordei por cima neste texto e com certeza merecem uma atenção maior.

Festinhas de aniversário para cães: uma forma de carinho ou humanização?

Essa semana comemorei o aniversário de 1 ano da adoção da Brid, uma das minhas filhotas caninas. Desde meu primeiro cão, o Brown, comemoro os aniversários deles, pois o tempo com eles é muito curto para que não aproveitemos da forma mais intensa possível. Baseada nesse costume gostaria de hoje abordar o tema denominado “humanização”, que vem sendo amplamente discutido e muitas vezes vejo opiniões equivocadas.

Tratar um cão como se fosse um ser humano é tão prejudicial quanto tratar como se fosse um lobo ( recentemente denominado como “lobotização” ou “lupinização”). Humanos são humanos, cães são cães e lobos são lobos, espécies diferentes que tem cada uma a sua comunicação própria. A maioria dos casos de problemas comportamentais que atendo são decorrentes de falhas na comunicação interespecífica. Gostaria de destacar que muito do que “converso” com minhas cadelas e estas festas de aniversário são entendidas por elas de uma forma muito diferente da minha. Cães compreendem algumas palavras que falamos, mas se guiam principalmente pelo tom da voz e leitura corporal, então quando converso com elas sei que apenas estou demonstrando afeto e elas compreendem poucas das palavras que digo. É errado? Não! Desde que a pessoa tenha consciência do que ela está comunicando e como os cães entendem. Costumo dizer que na verdade estou suprindo uma necessidade da minha espécie, muito baseada no instinto materno, enquanto minhas cadelas entendem como afeto, reforço de vínculo.IMG-20150802-WA0019

Quanto as festinhas de aniversário, cães não tem essa noção de tempo, nem comemoram mais um ano de vida, mas adoram comer coisas gostosas, ganhar bastante atenção e brincar. As festinhas de aniversário são ocasiões super agradáveis para eles, embora não compreendam o significado. Já para nós é a comemoração de mais um ano ao lado de um ser tão querido por nós. Seu cão ficará magoado se não ganhar festinha no ano seguinte? Claro que não, mas com certeza ficará feliz quando ganhar a festinha, pois para ele é uma ocasião repleta de gostosuras, atenção e brincadeiras! A partir do momento que compreendemos como os cães veem o mundo nossa convivência se torna muito mais harmoniosa, pois conseguimos equilibrar as particularidades de cada espécie para convivermos harmoniosamente.

Adestradora Camila Vasconcellos
Adestramento Positivo e Terapia Comportamental para Cães.

Não é a raça, mas a criação! Sobre o caso do pit bull de Canoas / RS

Sempre que ocorre um caso de ataque envolvendo cães da raça pit bull há uma grande mobilização contrária à raça e apontando-a como o único ou principal fator responsável pela tragédia. É importante salientar que todo cachorro pode morder, o que acontece é que cada cão reage de forma diferente a cada situação, o que no estudo do comportamento canino chamamos de “gatilhos de reatividade”. Cães podem morder para proteger seu território ou alimento, por medo e outros diversos motivos. Estudos revelam que poodles, pinschers e até beagles tem índice maior de ataques do que pit bulls, mas estes casos curiosamente não viram manchete. Claro que cães grandes ou fortes causam ferimentos de maior gravidade, mas isso não os torna assassinos natos!

Cabe ressaltar que as raças são resultado de cruzamentos selecionados pelo homem para atender determinadas funções, tais como guarda, pastoreio, caça e companhia. Dentro desta seleção não foram obtidos padrões apenas estéticos, mas também de temperamento, embora toda raça possa apresentar cães com desvio em ambos. Os pit bulls foram selecionados para serem cães de rinha e cruelmente explorados em lutas até a morte durante muitas gerações. Eles foram moldados para serem resistentes em combates e agressivos com outros cães (pit bulls devidamente socializados convivem muito bem com outros animais), nunca com seres humanos. O que acontece é que a raça caiu no gosto de “bad boys” que passaram a utilizá-los para intimidação, como se fossem armas e instigados a apresentar agressividade contra pessoas.

Quanto a essa tragédia em Canoas no Rio Grande do Sul, onde um pit bull atacou e matou a mãe do tutor, se faz necessário destacar que o cão foi “treinado” para guarda em casa com métodos aversivos baseados na equivocada teoria da dominância e técnicas do tipo “faça você mesmo”. Os vizinhos relataram que a vítima e seu filho agrediam o cão frequentemente e que este era submetido a choques, pauladas, disparos de arma e as mais diversas agressões para se tornar um “bom cão de guarda”. Segundo o delegado responsável pelo caso em uma entrevista, o que causou o ataque foi a vítima ter “cutucado” o cão com um rodo para que ele saísse do caminho. Não é necessário explicar que o cão fez apenas exatamente aquilo para o qual estava sendo “treinado”! Jamais se deve utilizar força ou intimidação para educar/treinar um cão, muito menos tentar realizar por conta própria um adestramento tão delicado como o de guarda. Atualmente temos muito material equivocado sobre comportamento e treinamento de cães sendo amplamente divulgado na internet, programas de televisão e até livros, este caso é um exemplo de até onde podem chegar os transtornos psicológicos causados por estes métodos. O cão foi baleado pelo tutor durante o incidente, mas sobreviveu e foi recolhido pelo departamento municipal de bem estar animal onde será tratado, assistido por um adestrador e posteriormente encaminhado para adoção, já o tutor poderá responder processo criminal por homicídio culposo e maus tratos a animais.