Não é de hoje que o cinema investe na forte amizade existente entre crianças e animais, assim como em desventuras onde um precisa ajudar ao outro. Trata-se de uma proposta de fácil identificação, pela relação pré-existente dos espectadores com seus animais de estimação. Por mais que também aborde tal proximidade, classificar Okja apenas neste sentido é um tremendo erro. Há bem mais a ser dito nesta alegoria ao mundo moderno, desenvolvida a partir de elementos fantásticos pelo diretor Bong Joon-Ho.
Diante disto, o espectador leva até um certo choque quando o filme parte para a década seguinte. Numa das fazendas selecionadas, com sua típica vida pacata, o propagado super porco enfim é apresentado como um misto de hipopótamo e cachorro, extremamente dócil e fiel. Nasce então a amizade entre Okja e Mija (Seo-hyun Ahn), uma garota de 14 anos que, com ares de heroína, fará o que for necessário para permanecer ao lado de sua fiel amiga.
À medida que os bastidores da Mirando são revelados, desvenda-se uma realidade facilmente perceptível no mundo real: a importância dada à imagem em detrimento de atitudes, como se o visto fosse mais importante do que o feito – que pode ser completamente diferente do pregado, diga-se de passagem. O alvo maior de Joon-Ho está no complexo mundo das aparências corporativas, onde absolutamente tudo tem valor de mercado, especialmente o jeito descolado de ser e posturas politicamente corretas. O mais importante não é de fato realizá-las, mas sim passar aos consumidores tal mensagem de forma que eles, cada vez mais, adquiram os produtos negociados, sejam eles quais forem. Uma ciranda maliciosa que, mais do que fazer, deseja convencer. Custe o que custar.
Com um discurso constante de defesa à natureza, Okja paulatinamente caminha rumo a temas importantes sem jamais deixar de lado o entretenimento. Tanto que, especialmente no primeiro terço, o filme investe bastante em cenas de ação e até mesmo em um humor infantilizado, incluindo questionáveis situações escatológicas. Tudo para de imediato capturar a atenção do espectador de forma que, mais a frente, possa desvendar toda a batalha midiática até então oculta.
Com ótimos efeitos especiais, especialmente na tradução de sentimentos através do olhar, Okja é capaz não só de entreter, mas também de desnudar e questionar uma realidade tão presente no mundo contemporâneo. É interessante notar que, mesmo em seu desfecho, o filme não se rende à saída fácil das boas intenções e opta, intencionalmente, pelo confronto com as mesmas armas – o que, mais uma vez, ressalta a inteligência do roteiro, escrito em parceria por Jon Ronson e o próprio diretor. Excelente filme, para ver, se divertir e refletir.